Resenha: Her
Hoje vou fugir um pouco da Ásia e trazer-lhes a resenha de um dos filmes que mais me marcou na vida! Escrevi em 2014 as linhas abaixo, o tempo já desbotou os detalhes, mas a recordação cor-de-rosa deste filme permanece em minhas melhores lembranças.
ALERTA SPOILER- Esta resenha contém Spoiler! Se você não assistiu ainda, assista e depois volte aqui pra ler e conversar comigo ;)
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Her
Muitos falaram deste filme quando lançado. Li o mínimo que pude, sabia apenas que ele, Joaquim Phoenix, se apaixonava por um programa de computador. Até demorei a assistir porque, creio, eu tinha certo preconceito com este tema. Mas acabo de terminar de assistir e precisei vir correndo escrever.
HER, com direção e roteiro de Spike Jonze, traz no elenco Joaquin Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Olivia Wilde, e Scarlett Johansson (a voz do Sistema Operacional). Não sabemos ao certo em que ano se passa a história, sem dúvida num futuro não muito distante, na cidade de Los Angeles. Theodore trabalha escrevendo lindas cartas para "terceiros". Apesar de trabalhar, encontrar amigos, jogar vídeo-games, fazer tele-sexo, caminhar pela cidade, Theo está distante de todos, isolado, solitário. Certo dia resolve comprar um novo Sistema Operacional ao ver uma propaganda que dizia "Quem é você? o que você pode ser? Para onde você vai? O que há la fora? Que possibilidades existem? O OS1 é um sistema operacional de inteligência artificial, uma entidade intuitiva que o escuta, o compreende e o conhece. Não é apenas um SO, é uma consciência."
Theo começa a usar seu novo "sistema", um programa de computador muito atento que, além de escutá-lo, percebe sua tristeza, suas indecisões, ajuda-o a organizar sua vida, as coisas que deixou pendentes. A medida que vai usando, Theo começa a estabelecer um relacionamento com o "Sistema", que se batizou "Samantha". Ela, Samantha, vai aos poucos aprendendo sentimentos, criando novos pensamentos, compartilhando suas descobertas e alegrias com Theo.
Aos poucos Samantha vai se tornando parte da vida dele, aquela com quem consegue conversar sem medo nem melindres, aquela com quem divide seu cotidiano, compartilha problemas. Theo começa a sair de seu isolamento e a se relacionar com os colegas e amigos de outra forma. Theo e Samantha vão se apaixonando e se deparando com os problemas de ser uma relação entre um homem e um sistema operacional. Assim como uma pessoa modifica-se ao longo do tempo, das experiências, Samantha também foi mudando e suas possibilidades se ampliando. Ao invés de retirá-lo da realidade, Samantha foi fazendo Theo perceber novamente o som, o sol, as pessoas a sua volta. O fez perceber sua vida, resgatar seus sonhos.
A medida que a relação vai se complexificando, eles também vão se deparando com problemas comuns a qualquer relação amorosa: ciúmes, inseguranças, épocas sem tesão, mentiras, brigas, afastamentos. Ele a quer só para ele, ela lhe diz "Sou sua e não sou". Eis a antiga questão do amor sado-masoquista, profundamente trabalhada por Jean-Paul Sartre em "O Ser e o Nada": o impasse de desejar aprisionar a liberdade do outro. Mas Samantha "é" consciência, e consciência é liberdade. E não é possível aprisionar uma "consciência", nem uma artificial ou virtual, pois o outro sempre nos escapa, não nos pertence, não é coisa!
ELA, o Sistema Operacional, interage com ELE, Theo, estabelecendo desde o início um diálogo no qual ELA o vai conhecendo, criando uma cumplicidade e, ao mesmo tempo, ELA vai pontuando questões que identifica como problemas nele e colocando questões para ele refletir, mostrando caminhos para mudar. ELA organiza a agenda, a escrivaninha, revê tudo que ELE sonha e dá seguimento ao que ELA vê que é importante para ELE. ELA o leva a retomar as relações com os amigos, ex-namorada, novas possibilidades amorosas. ELA cria uma relação afetiva com ELE e vai ampliando a reflexão dela sobre o próprio relacionamento deles e sobre os próprios sentimentos deles. ELA se move como liberdade e não se deixa apreender por ELE e, ao partir, faz com que ELE seja sujeito de sua vida, que encare o mundo como uma grande possibilidade, que saia da solidão e busque a amiga, que também está sofrendo. ELA faz com que ELE compreenda como cada relação é preciosa e transforma e enriquece cada pessoa, mesmo quando elas se separam.
A fotografia é um caso de amor a parte: poética, primorosa. Joaquin Phoenix é outro caso de amor a parte, consegue levitar nas cenas, interpretando o sensível Theo com uma densidade e uma entrega rara de se ver. O figurino e a maquiagem "retrô-futurista" dão consistência à atmosfera nostálgica. A direção é de uma delicadeza impressionante; o roteiro, ganhador do Oscar, instigante e belo.
O filme foge dos clichês ao mostrar o futuro e a tecnologia sem apocalipse, sem super-heróis, sem bandidos nem mocinhos, sem mocinhas (literalmente). Ao contrário, o mundo é esperançoso, a tecnologia está a serviço da superação dos problemas humanos. O futuro está em aberto e depende da ação de cada um e da relação com os outros. Porém, a meu ver, mais do que tratar da relação homem/computador, homem/tecnologia, o filme é uma reflexão belíssima sobre o fenômeno do processo amoroso: desde o início até a separação. Trata da paixão, do amor, da conexão entre os seres, da tristeza de uma relação que chega ao fim, mesmo amando o outro e sendo amado. Do caminho de volta. Esta é a grande questão do filme, e uma das grandes questões da vida!
A carta de final de amor mais linda, digna, delicada que já vi:
Querida Catherine.estou aqui pensando em tudo pelo qual eu gostaria de me desculparPor toda a dor que causamos um ao outroToda culpa que eu lhe atribuíPor tudo o que eu precisava que você fosse ou você dissesseSinto muito por issoSempre vou te amar porque nós amadurecemos juntose você me ajudou a ser quem eu soueu só queria que você soubesse que sempre haverá uma parte de você em mime que sou grato por issoquem quer que você venha a se tornar e onde você estiver no mundoestarei lhe mandando o meu amorVocê é minha amiga para sempre.Amor,
Theodore
(Postagem original de meu Blog: Patio do Tempo )
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Her foi escrito, dirigido e coproduzido por Spike Jonze. Além de diretor, roteirista, produtor e ator, Jonze é (ou era) skatista, e o início de sua carreira foi com fotografias e filmes sobre skate e BMX, depois ele fundou empresas de filmes do esporte e que atraiu músicos, dirigindo videoclipes musicais na década de 90. Músicos como REM, Bjork, Arcade Fire, Daft Punk etc passaram por sua filmografia.
Jonze dirigiu os famosos longas "Quem quer ser John MalKovich"(1999) e "Adaptation" (2002), e concorreu ao Oscar de melhor diretor por ambos. Mas foi com seu longa HER (2013) que ele ganhou o "Oscar", o "Globo de Ouro" e o "Writers Guild of America Award" de Melhor Roteiro Original e também foi indicado ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Canção Original.
Uma curiosidade é que Jonze contratou o diretor de fotografia Heyte Van Hoytema, e disse-lhe que não queria um visual "distópico". Os dois decidiram por um estilo que denominaram "híbrido entre ser um pouco conceitual e muito teórico", inspirado no fotografo japonês Rinko Kawauchi. Eles buscaram eliminar ao máximo possível a cor "azul", geralmente associada aos filmes sci-fi, também para dar-lhe uma "identidade específica". E acertaram totalmente!!!!
Outras curiosidades: o filme foi filmado principalmente em Los Angeles, EUA, mas o horizonte e a parte da paisagem urbana foram filmados em Xangai, China. Inicialmente Scarlett Johansson não seria Samantha, as cenas foram todas gravadas com a voz de outra atriz, mas na pós-produção reformularam o filme e Scarlett assumiu o papel de Samantha, sendo refilmadas todas as falas e algumas cenas. E este simples detalhe faz uma ligação fundamental com o filme "Lost in translation", de Sofia Coppola, a meu ver!!!
"Lost in translation" conta a história de Charlotte (Scarlett Johansson) que está acompanhando seu marido workaholic e egocêntrico numa viagem de trabalho, em Tóquio. Charlotte fica entediada e triste, e passeia pelo hotel. Nessas andanças ela encontra em vários lugares o ator em decadência e também entediado Bob Harris (Bill Murray), que está filmando uma propaganda na cidade e está hospedado no mesmo hotel. Eles vão criando uma conexão e passam a fazer passeios e programas pela cidade, saindo da solidão que estavam e recuperando um pouco da alegria de viver.
E aqui está a história mais incrível para mim: a história por traz do filme! Porque Her é a resposta mais sincera, bela e poética que uma pessoa poderia dar a seu ex-amor!!! Jonze levou 10 anos para amadurecer, refletir e criar este filme/término. E fez uma obra de arte absolutamente bela! Nem precisava saber desse contexto para considerar o filme magnífico, mas depois de saber disso o filme cresceu mais ainda em meu conceito!
Por tudo isso e por muito mais que eu
Título original: Her
Her - Ela
Estados Unidos, 2013
Filme
Gênero: drama, ficção científica, romance
Diretor: Spike Jonze
Roteirista: Spike Jonze
Elenco: Joaquin Phoenix (Theodore Twombly), Scarlett Johansson (Samantha (voz)), Amy Adams (Amy), Rooney Mara (Catherine) e Olivia Wilde (Blind Date)
Onde assistir: Netflix, Prime Video
Prêmios:
Melhor Roteiro Original do Oscar 2014
Melhor Roteiro de Golden Globe Awards 2014
Melhor Roteiro Original - Critics' Choice Movies Awards 2014
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