Resenha: Aftersun

Sinopse:

Sophie, uma jovem de 30 e poucos anos, relembra as férias que teve com o pai, Calum, quando criança, num hotel decadente em Torremolinos, costa da Turquia. Era final dos anos 90, ela tinha então 11 anos e o pai ia completar 31. A narrativa vai nos trazendo pouco a pouco as peças desse verão: diálogos, momentos de alegria, momentos de tristeza, momentos de tédio, fragmentos do que ela, quando menina, não compreendeu, mas que agora, adulta, tenta compreender.

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É difícil falar de Aftersun sem dar spoiler, mas este é o tipo de filme que não se deveria ler nem a sinopse. Deveríamos ir o mais desavisadamente possível, para assim ir adentrando no olhar daquela menina e recordar com ela aquela viagem.

O resultado é um filme arrebatador, que não nos lança em emoções superficiais. É uma emoção que vai sendo construída gradativamente, há uma tensão e uma nostalgia sutil que perpassa tudo. Aftersun acessa uma camada profunda em nós: a infância, nossa, de nossos filhos, e larga uma bomba lá, uma bomba de luz, que produz pequenos clarões dentro da gente a cada momento em que o filme é relembrado.

Por isso fica o aviso: assista ao filme antes! Este filme é absolutamente imperdível! Daqui em diante tentarei não dar spoiler, mas queria falar de como esse filme me tocou.

Hoje, por exemplo, acordei pensando no filme, em minha filha quando pequenina, dos quantos momentos de crise ela presenciou e que sempre achei que não havia entendido... este filme me fez perceber que  ela viveu aquilo lá e de alguma forma o que senti e vivi - por mais que eu tenha tentado não deixar chegar nela, por mais que eu tenha mentido ou disfarçado - de alguma maneira chegou. 

Porque crianças são este olhar atento aos pais, este olhar puro e sincero, este olhar amoroso... um olhar que é uma luz!

Também lembrei muito de quando eu era criança, das coisas que percebia de meus pais, das mentiras que eles me diziam para me proteger ou se proteger, dos dramas pessoais que eles tentaram acobertar... Só em escrever e pensar agora sobre o filme, meus olhos se enchem novamente... e meu coração se aperta... e creio que será assim daqui pra frente.

Este é o primeiro longa da jovem diretora Charlotte Wells, de 35 anos, também escrito por ela. É sem dúvida um filme autobiográfico. Temos a impressão de que ela filmou desde dentro, é um olhar tão íntimo, tão pessoal, ela nos traz exatamente a experiência de suas lembranças e reflexões do passado. Eu nunca tinha visto um filme expressar de forma tão realista essa coisa tão abstrata. Não é um simples "flashback", é um sofisticadíssimo uso da memória. 

Ao mesmo tempo a filmagem parece quase caseira, quase amadora. Muitas cenas são trechos de câmeras de vídeo portátil, feitos pela filha ou pelo pai, cenas descentralizadas, como que feitas por mãos inexperientes, mas que nos mostram quase sem querer detalhes que não vemos com clareza, que ficam "pelos cantos", que ficam nas penumbras e que nos deixam curiosas.

O tom é nostálgico, nos leva para nossas férias de infância... Lembrei de muitas cenas das viagens de quando criança, detalhes do meu olhar infantil, como a cena deles no ônibus vendo a paisagem noturna passando pela janela... o tédio dos momentos sem atividades…

A interpretação dos atores nos faz esquecer que são atores, tão natural a relação entre pai e filha. A atriz escocesa Frankie Corio, de 12 anos, faz uma estréia luminosa neste seu primeiro filme, trazendo alegria, delicadeza e muita sensibilidade para Sophie, simplesmente encantadora! E o jovem ator irlandês, Paul Mescal, 25 anos, absolutamente comovente como o pai, nos passa de forma magnífica toda a fragilidade, amor e angústia de Calum. Sem dúvida um dos melhores atores mundiais da nova geração!

A OST é nostálgica também, quem viveu a década de 90 foi levado para lá nos sons de  "Losing My Religion" de R.E.M, "Under Pressure" de Queen e David Bowie, "Macarena" de Los del Río, entre outros.   

Repito o que escrevi sobre o filme "Poesia": não se engane com a ingenuidade da fotografia, dos atores, da cidade: é um drama singular-universal exposto de maneira magistral.

Empatia, se pudesse se materializar num filme, seria esse!

Se você não viu ainda, aproveite que ainda deve estar passando nos cinemas ou logo estará em algum streaming! É uma belíssima obra de arte! Por isso tudo e por muito muito mais que eu 

Super-recomendo!   
★ ★ ★ ★ ★
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Título original: Aftersun

Filme
Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Estados Unidos da América, 2022
Direção e Roteiro: Charlotte Wells
Elenco: Frankie Corio (Sophie pré-adolescente), Paul Mescal (Calum), Celia Rowlson-Hall (Sophie adulta)

Onde assistir: Mubi e cinemas (por equanto)

Prêmios (até janeiro de 2023)

British Independent Film Awards (melhor filme, melhor realização, primeira obra, argumento, montagem, direção de fotografia e supervisão musical).
Festival de Cannes 2022 - Prêmio do Júri /Toque Francês
Gotham Awards / Open Palm Award 2022 - melhor direção
New York Film Critics Circle Awards 2022 (Direção)
National Society of Film Critics 2022 (Direção)

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